segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Capítulo XIII

Quarto


Lembrava-se do som. Revivia todos os dias aquela cena, o estilhaçar do vidro. O grito sufocado, as lembranças amarguradas. O Palhaço sofria, chorando em uma agonia contida. De repente, viu-se criança novamente, revivendo aquele dia fatídico, sem jamais impedir o destino. Sabia que não funcionaria e de certa forma, desejava que acontecesse. Corria alegremente com sua mascara pela casa, após chegar de um passeio com o pai. O pai trazia em suas feições a dureza dos anos de trabalho, carregando uma barba espessa e um olhar de reprovação a seu filho. O garoto corria alegremente pela mansão, brincando pelos corredores com uma máscara que trazia consigo a felicidade juvenil. O pai logo o reprendeu, irritadiço.

– Garoto, pare já com isso. Sua mãe está doente e você sabe bem que essa coisa em sua cara assusta sua irmã! – Gritou o homem, acertando um sonoro golpe com a palma da mão no rosto da criança. O garoto chorou, arrancando a máscara e correndo para o quarto – Não pense que acabei com você! À noite conversaremos!

A criança chorava em seu travesseiro, abafando os soluços. Odiava aquele homem, seus olhos pegavam fogo todos os dias quando fitava seu progenitor. Assim como o dia morre e a noite nasce, logo a tristeza da pequena criança que um dia se tornaria o palhaço morreu. Vestindo sua máscara, decidiu brincar com sua irmã mais nova. Era de seu conhecimento o pavor da garota pelos homens maquiados do circo e seu divertimento em importuna-la imperava em qualquer situação. Adentrando seu quarto, viu um pequeno corpo em repouso, coberto por lençóis. Avançou sem pensar, chamando carinhosamente a irmã. A pequena Alice virou e encarou o rosto inexpressivo por alguns segundos, antes de iniciar um grito sequenciado. Correu pelo quarto, sendo perseguida pelo irmão em êxtase pela brincadeira. Mal vira a garota que corria para seu abismo, ao se deparar com um espelho.

Os fragmentos não foram gentis com sua pele. O gigantesco espelho com o emblema da família agora jazia quebrado e estilhaçado, preso a diversas partes do corpo da criança. Alice tentava gritar, mas uma imensa lasca de vidro transpassava sua garganta. Sangue escorria farto dos ferimentos, formando uma enorme poça ao redor do pequeno corpo. O garoto retirou a máscara, revelando sua identidade. O Palhaço chorava ao lembrar-se destes detalhes.

– Sou eu Alice! Sou eu! Fica comigo, pelo amor de Deus Alice, fica comigo! – Gritava o irmão, sem entender o que havia acontecido. A garota encarava o vazio, seu olhar era opaco. Um de seus olhos havia sido perfurado por um pedaço do espelho e perdera até mesmo a pupila, restando apenas uma confusão vermelha de carne. Alice, em seus últimos suspiros sofridos de vida, tentava pronunciar uma frase. O garoto aproximou-se de sua boca para escutar aquelas que seriam as palavras que o motivariam a seguir pelo resto de sua vida.


– P-Por quê? – Disse a garota, antes de sua consciência evanescer.

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