Palhaço
–
A noite é realmente bela. A lua tão brilhante neste céu cinzento de São Paulo.
E aqui estamos nós, para mais um grande espetáculo do Palhaço! Sabe... Tem coisas muito interessantes sobre a noite.
Alias, não só à noite, mas as coisas que ela trás consigo... Já ouviu falar que
quando escurece, todos os gatos são pardos? Devia ter pensado nisso antes de
não olhar pra trás antes de sair do hall. Achou que aquela leve corridinha
poderia salva-la do terror é? Ora, ora garotinha... – Acariciei seu rosto
ternamente, afinal era minha convidada de honra – Nem sempre seus cobertores
lhe protegerão de todo mal. Às vezes, o mal vem em forma física e arranca tudo
que você tem. Compreende minha analogia? – Perguntei para minha convidada, que
nada respondeu. Olhava para os lados, sem nem ao menos aproveitar o jantar que
preparei exclusivamente para nós. Algo a luz de velas, vinho, coisas finas. Nem
se importou com meu trabalho, uma verdadeira vadia. Dei-lhe um tapa para criar
modos.
–
O que você quer de mim? Quem é você?! – Exclamou a pequena matraca. Apenas
balancei a cabeça, já esperando por tais questionamentos. Como era ridículo
argumentar com este tipinho de pessoa, achei que ela poderia ser a escolhida.
Me enganei de novo?
–
Hei! Sou eu que faço as perguntas aqui queridinha... Primeiro, seu nome –
Perguntei com a voz robótica. Sempre adorei essa mascara, desde minha infância
quando a vesti pela primeira vez. A voz saía de minha boca como minha, mas
passava pela mascara e se tornava algo completamente novo e anormal. Toda vez
que meu som era espalhado, um coração pulava em alegria. E como era bom lembrar
os bons tempos de infância. Correr perseguindo minha irmã mais nova... Tempos
felizes que nunca voltarão. Uma pena, pois adoraria apresentar esta jovem a
ela. Encarei-a novamente, repetindo minha pergunta – Então minha cara, qual é
seu nome?
– Helena
Almeida de Chagas... Senhor... – Respondeu a mulher, fraca e tímida. Senti um
punhado de pena em meu coração.
– Pois bem
Helena, vamos aqui responder a uma série de perguntas! Vi isso em um desses reality shows e amei! Primeira questão:
Qual é seu maior medo?
– Você é
maluco! Louco! – Gritou a garota. Um soco em seu maxilar corrigiu seu
vocabulário impróprio. Retornou ao seu lamento silencioso, chorando enquanto um
filete de sangue escorria por seus lábios – Por que você tá fazendo isso
comigo? – Choramingou Helena, manchando seu rosto em maquiagem borrada e
sangue.
– Por que você
é interessante. Agora responda minha pergunta e caso acerte todas, você pode
sair, tudo bem? – Perguntei, gentil. Uma vez minha irmã me disse que um
verdadeiro cavalheiro trataria todas as garotas como damas. Talvez fosse uma
boa hora para tentar isto. Soprei as velas, encerrando nós dois em uma
escuridão mortal. Helena iniciou outro choro, silenciado por um tapa.
– E-Eu tenho
medo do escuro... Muito medo...
– Huum...
Ponto para Helena! Agora vamos para a segunda. Supondo que acidentalmente você
matasse um ente familiar muito querido. Estou fazendo uma suposição, veja bem!
E essa pessoa está agonizando no chão... Vamos Helena! Esforce-se para
imaginar! – Gritei, chamando sua atenção – Ela está agonizando e lhe pergunta
por quê? O que você faz Helena? O que você faria nesta situação? – Minhas mãos
tremiam perante o olhar implacável de minha dama. Lágrimas escorriam por sua
face e ela balançava a cabeça. Estaria alguma coisa errada?
– Eu não
sei... Por favor, me tira daqui... Eu só quero ir embora... – Repetiu à
resmungona, encerrando minha empolgação. Saquei uma pequena lâmina e comecei a
lhe cortar os braços, lentamente. O sangue brotava farto enquanto a garota
urrava de dor. Primeiramente, logo abaixo do bíceps, um longo talho foi
desenhado. Depois, ative-me a suas pernas, brincando de ziguezague com a
navalha. O sangue espalhava-se por minhas mãos enquanto Helena apenas podia
gritar. Logo sua voz cessou, vítima do cansaço.
Rouca, perguntou – Pelo amor de Deus, o que você quer de mim?
– Vocês sempre
recorrem a ele não é mesmo? Em momentos de crise, de choro. Minha mãe também
correu pros braços dele quando minha irmãzinha faleceu. Tornou-se uma louca
fanática, e aquilo a consumiu em um câncer. É esse o destino dos fanáticos.
Agora minha cara, te darei uma ultima chance... Uma última pergunta do nosso
joguinho... – Me aproximei de seu ouvido, sussurrando – Por quê?
Helena me
encarou, buscando uma resposta. Ela mesma havia desistido de tentar, entregue
sua vida a mim. Sorri em resposta, de dentro da máscara. Mais uma inútil, mas a
tratarei como uma dama, libertando-a de seu medo mais profundo. Busquei em
minha mala o pequeno galão de álcool. Helena exclamava por perdão, implorando
por sua vida.
– Onde há
escuridão, as chamas iluminam. Você está absolvida... – Disse, antes de atirar
o fósforo na mulher.
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