Jéssica Qacker
Jéssica buscava um motivo de compreensão. Em sua
cabeça, milhares de ideias corriam sobre a identidade do assassino, suas
motivações e seu atual paradeiro. Sua boca salivava por perguntas a serem
respondidas e sua ânsia por um bom furo jornalístico apenas era maior que sua
aptidão para a falta de ética. A jornalista circulava em volta da pequena mesa
de jantar, esperando por qualquer sinal de seu celular. Uma entrevista feita as
pressas era ruim, mas era melhor que nenhuma entrevista. Caminhando pelos cômodos,
Jéssica finalmente acomodou-se no sofá da sala e abriu sua pasta, revistando o
conteúdo. Cenas macabras decoravam cada fotografia ali estampada. Algumas
traziam notas sobre as possíveis causas da morte e o paradeiro do assassino.
Jéssica encarou uma página por alguns momentos, como se recordasse de outra
vida.
Suspirou insatisfeita com todas as regalias oferecidas
pelo hotel. Algumas horas antes, Jéssica constatou que nem mesmo os cigarros
poderiam acalmar sua ansiedade por ter em suas mãos o homem mais poderoso de
São Paulo. Lúcio Moraes, o empresário do ano. Um homem bem sucedido, herdeiro
de uma fortuna incalculável e dono de um complexo de luxo no grande centro de
São Paulo. E o mais importante, envolvido em um escândalo. Os olhos de Jéssica
brilharam mais uma vez, antes de fechar a pasta. A jornalista não notou seu
pequeno descuido, mas uma de suas fotos escapou e correu pelo tapete,
repousando logo abaixo da mesa de centro. A campainha despertou Jéssica de seus
sonhos antigos. A jornalista levantou-se, caminhando até a porta despreocupada.
Sua infelicidade foi evidente ao encontrar Alexandre parado diante de sua
porta. O jovem assistente de Lúcio possuía um meio-sorriso desgostoso em seu
semblante, igualando-se a vontade de Jéssica de prosseguir com aquela
desventura.
– Mas o que é isso? Achei que eu fosse entrevistar o
“Lúcio Moraes”, e não seu cachorrinho de estimação! É algum tipo de piada? –
Exclamou Jéssica, alterada. Sua frustração lhe fez dar as costas, deixando a
porta aberta para que Alexandre entrasse. O jovem deu o primeiro passo,
lembrando-se da fidelidade prometida a seu chefe.
– Peço perdão senhorita Qacker. O senhor Lúcio está
muito ocupado no momento, verificando se tudo está sob controle nas instalações
para uma grande festa programada para hoje à noite. Portanto, ele requisitou
que o substituísse. Podemos começar? – Alexandre parecia calmo e a segurança
imperava em sua voz. Seu olhar firme prendeu a atenção Jéssica, que apenas pode
assentir.
Agarrando uma lista de perguntas, Jéssica iniciou seu
interrogatório com o jovem Alexandre. O veneno mal destilado em suas palavras
alfinetava o assistente do magnata, que apenas podia dar desculpas para a
ausência de seu chefe e tentar driblar as perguntas com promessas de melhoras.
Jéssica encarou Alexandre por um momento, imaginando se havia algo que o jovem
escondia em suas mangas. A estranha devoção do garoto para com o magnata era
surpreendente.
– Então Alexandre... Há quanto tempo trabalha para o
senhor Moraes? – Questionou Jéssica, cruzando as pernas e mordiscando a caneta.
Alexandre fez uma careta de surpresa. De fato, ele não esperava tal pergunta.
– É... Creio que há dois anos... Não deveríamos manter
o foco aqui? – Disse Alexandre, tentando retomar o rumo da conversa. Suor frio
lhe escorreu pela espinha.
– Mas diga... Mesmo com tão pouco tempo de trabalho,
como pode ficar em um cargo tão privilegiado? E esses acontecimentos... Afetam
você muito? – Jéssica tinha um sorriso torto em seu rosto. Fazer seu
entrevistado corar havia se tornado uma diversão para aquela noite.
– Isso não tem nada a ver com você, está bem!? –
Afinando levemente a voz. Alexandre não percebeu este detalhe, mas havia
levantado por impulso do sofá e estava a meio metro de Jessica, com o indicador
em riste. Logo, arrumou seu terno e recuperou sua compostura – Perdão...
Jéssica sorriu. Aquela situação seria perfeita e
arrancar os segredos daquela criança enrustida era mais fácil do que invadir o
apartamento com aquele cadáver. Naquele momento, Jéssica cometeu seu primeiro
erro.
– Como dizia... A poucos momentos foi constatado um
cadáver no terceiro andar deste prédio. Dizem que a vítima foi brutalmente
assassinada... Qual é o pronunciamento da administração do complexo a respeito
deste fato? – Perguntou Jéssica, com seu habitual sorriso presunçoso no rosto.
Alexandre começara a se pronunciar, inventando uma desculpa qualquer, mas a
razão surgiu em seus pensamentos antes que Jéssica pudesse pensar em sua
vitória.
– Como sabe desses detalhes? Não revelamos nada a imprensa
ainda e a polícia está tratando o caso com sigilo absoluto... – Questionou
Alexandre. O sorriso falso de Jéssica se desfez rapidamente, tornando-se uma
feição desesperada por argumentos.
– Tenho minhas fontes... E elas são confiáveis e me
contam tudo! – Jéssica encolhia-se no sofá perante as investidas de Alexandre.
– Impossível! A menos que seu informante seja da
polícia, você não pode ter acesso a essas informações... Mas é claro! – Disse
Alexandre, levantando-se do sofá e erguendo as mãos ao alto, estupefato – Por
que não pensei nisso antes. Não dá pra se confiar em ninguém hoje em dia.
O rosto de Jéssica era de um tom avermelhado,
envergonhado. Sabia que havia sido desmascarada e não lhe restavam muitas
cartas na manga. Teria que arriscar.
– Ah é? E seu patrãozinho metido a besta sabe que você
adoraria ter uma noite na cama com ele? Ein? – Disse Jéssica, levantando do
sofá e erguendo seu tom de voz. Alexandre olhou para a jornalista, sem
entender.
– O que? N-Não seja ridícula mulher!
– Claro... Achou que ninguém ia perceber? Escuta aqui,
seu paspalho! Tu tá na minha mão e eu tô na tua. Então vamos fazer assim. Eu
estou aqui para ver se consigo descolar uma matéria bacana e alavancar minha
carreira perseguindo esse tal de palhaço. Você tá aqui por que adoraria dar uns
amassos com o ricaço. Você me ajuda com isso e não abro minha boca sobre seu
pequeno sonho de princesa. O que acha?
– Está me ameaçando? Como ousa me ameaçar?! – Começou
Alexandre.
– Ah... Nada disso... – Devolveu Jéssica, erguendo um
pequeno aparelho eletrônico – Isso tudo aqui foi gravado benzinho. Temos um
trato?
Com relutância, Alexandre assentiu. Saiu aos passos
pesados do apartamento, bufando como um dragão. Jéssica sorriu ao ver que parte
de sua missão estava cumprida e que teria livre acesso pelo complexo de agora
em diante.
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