sábado, 28 de dezembro de 2013

Capítulo VIII

Jéssica Qacker


Jéssica buscava um motivo de compreensão. Em sua cabeça, milhares de ideias corriam sobre a identidade do assassino, suas motivações e seu atual paradeiro. Sua boca salivava por perguntas a serem respondidas e sua ânsia por um bom furo jornalístico apenas era maior que sua aptidão para a falta de ética. A jornalista circulava em volta da pequena mesa de jantar, esperando por qualquer sinal de seu celular. Uma entrevista feita as pressas era ruim, mas era melhor que nenhuma entrevista. Caminhando pelos cômodos, Jéssica finalmente acomodou-se no sofá da sala e abriu sua pasta, revistando o conteúdo. Cenas macabras decoravam cada fotografia ali estampada. Algumas traziam notas sobre as possíveis causas da morte e o paradeiro do assassino. Jéssica encarou uma página por alguns momentos, como se recordasse de outra vida.

Suspirou insatisfeita com todas as regalias oferecidas pelo hotel. Algumas horas antes, Jéssica constatou que nem mesmo os cigarros poderiam acalmar sua ansiedade por ter em suas mãos o homem mais poderoso de São Paulo. Lúcio Moraes, o empresário do ano. Um homem bem sucedido, herdeiro de uma fortuna incalculável e dono de um complexo de luxo no grande centro de São Paulo. E o mais importante, envolvido em um escândalo. Os olhos de Jéssica brilharam mais uma vez, antes de fechar a pasta. A jornalista não notou seu pequeno descuido, mas uma de suas fotos escapou e correu pelo tapete, repousando logo abaixo da mesa de centro. A campainha despertou Jéssica de seus sonhos antigos. A jornalista levantou-se, caminhando até a porta despreocupada. Sua infelicidade foi evidente ao encontrar Alexandre parado diante de sua porta. O jovem assistente de Lúcio possuía um meio-sorriso desgostoso em seu semblante, igualando-se a vontade de Jéssica de prosseguir com aquela desventura.


– Mas o que é isso? Achei que eu fosse entrevistar o “Lúcio Moraes”, e não seu cachorrinho de estimação! É algum tipo de piada? – Exclamou Jéssica, alterada. Sua frustração lhe fez dar as costas, deixando a porta aberta para que Alexandre entrasse. O jovem deu o primeiro passo, lembrando-se da fidelidade prometida a seu chefe.

– Peço perdão senhorita Qacker. O senhor Lúcio está muito ocupado no momento, verificando se tudo está sob controle nas instalações para uma grande festa programada para hoje à noite. Portanto, ele requisitou que o substituísse. Podemos começar? – Alexandre parecia calmo e a segurança imperava em sua voz. Seu olhar firme prendeu a atenção Jéssica, que apenas pode assentir.

Agarrando uma lista de perguntas, Jéssica iniciou seu interrogatório com o jovem Alexandre. O veneno mal destilado em suas palavras alfinetava o assistente do magnata, que apenas podia dar desculpas para a ausência de seu chefe e tentar driblar as perguntas com promessas de melhoras. Jéssica encarou Alexandre por um momento, imaginando se havia algo que o jovem escondia em suas mangas. A estranha devoção do garoto para com o magnata era surpreendente.

– Então Alexandre... Há quanto tempo trabalha para o senhor Moraes? – Questionou Jéssica, cruzando as pernas e mordiscando a caneta. Alexandre fez uma careta de surpresa. De fato, ele não esperava tal pergunta.

– É... Creio que há dois anos... Não deveríamos manter o foco aqui? – Disse Alexandre, tentando retomar o rumo da conversa. Suor frio lhe escorreu pela espinha.

– Mas diga... Mesmo com tão pouco tempo de trabalho, como pode ficar em um cargo tão privilegiado? E esses acontecimentos... Afetam você muito? – Jéssica tinha um sorriso torto em seu rosto. Fazer seu entrevistado corar havia se tornado uma diversão para aquela noite.

– Isso não tem nada a ver com você, está bem!? – Afinando levemente a voz. Alexandre não percebeu este detalhe, mas havia levantado por impulso do sofá e estava a meio metro de Jessica, com o indicador em riste. Logo, arrumou seu terno e recuperou sua compostura – Perdão...

Jéssica sorriu. Aquela situação seria perfeita e arrancar os segredos daquela criança enrustida era mais fácil do que invadir o apartamento com aquele cadáver. Naquele momento, Jéssica cometeu seu primeiro erro.

– Como dizia... A poucos momentos foi constatado um cadáver no terceiro andar deste prédio. Dizem que a vítima foi brutalmente assassinada... Qual é o pronunciamento da administração do complexo a respeito deste fato? – Perguntou Jéssica, com seu habitual sorriso presunçoso no rosto. Alexandre começara a se pronunciar, inventando uma desculpa qualquer, mas a razão surgiu em seus pensamentos antes que Jéssica pudesse pensar em sua vitória.

– Como sabe desses detalhes? Não revelamos nada a imprensa ainda e a polícia está tratando o caso com sigilo absoluto... – Questionou Alexandre. O sorriso falso de Jéssica se desfez rapidamente, tornando-se uma feição desesperada por argumentos.

– Tenho minhas fontes... E elas são confiáveis e me contam tudo! – Jéssica encolhia-se no sofá perante as investidas de Alexandre.

– Impossível! A menos que seu informante seja da polícia, você não pode ter acesso a essas informações... Mas é claro! – Disse Alexandre, levantando-se do sofá e erguendo as mãos ao alto, estupefato – Por que não pensei nisso antes. Não dá pra se confiar em ninguém hoje em dia.

O rosto de Jéssica era de um tom avermelhado, envergonhado. Sabia que havia sido desmascarada e não lhe restavam muitas cartas na manga. Teria que arriscar.
– Ah é? E seu patrãozinho metido a besta sabe que você adoraria ter uma noite na cama com ele? Ein? – Disse Jéssica, levantando do sofá e erguendo seu tom de voz. Alexandre olhou para a jornalista, sem entender.

– O que? N-Não seja ridícula mulher!

– Claro... Achou que ninguém ia perceber? Escuta aqui, seu paspalho! Tu tá na minha mão e eu tô na tua. Então vamos fazer assim. Eu estou aqui para ver se consigo descolar uma matéria bacana e alavancar minha carreira perseguindo esse tal de palhaço. Você tá aqui por que adoraria dar uns amassos com o ricaço. Você me ajuda com isso e não abro minha boca sobre seu pequeno sonho de princesa. O que acha?

– Está me ameaçando? Como ousa me ameaçar?! – Começou Alexandre.

– Ah... Nada disso... – Devolveu Jéssica, erguendo um pequeno aparelho eletrônico – Isso tudo aqui foi gravado benzinho. Temos um trato?


Com relutância, Alexandre assentiu. Saiu aos passos pesados do apartamento, bufando como um dragão. Jéssica sorriu ao ver que parte de sua missão estava cumprida e que teria livre acesso pelo complexo de agora em diante.

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