Lúcio Moraes
Lúcio caminhava de um lado para o outro, aflito. Mais
uma vez, fora surpreendido por uma ação dentro do complexo e desta vez, sua
reputação estava realmente arruinada. Nenhuma das câmeras de segurança havia
registrado a invasão no apartamento e nem mesmo como a jovem havia sido morta.
As mãos do magnata tremiam enquanto ele via e revia as fitas de gravação.
Alexandre, ao seu lado, oferecia um chá ou talvez uma massagem, mas nada
parecia consolar o desespero de Lúcio Moraes. Uma ligação encerrou também a
paciência do empresário, quando seu assistente atendeu ao telefone.
– Senhor Moraes... Parece que a polícia está lá em
baixo. Um tal de delegado Nogueira deseja falar com o senhor... – Alexandre
parecia atônito. Nunca antes vira seu chefe expressar tamanha ira com alguma
situação – Devo permitir que ele suba? – Lúcio encarou Alexandre com seu olhar
vazio. Uma pequena fagulha parecia acesa no fundo de sua pupila.
– Não. Deixe que eu mesmo vá até lá. Situações
extremas requerem medidas extremas – Respondeu Lúcio, levantando-se e indo até
a porta. Alexandre lhe interrompeu novamente, lembrando-se de algo.
– Senhor, mais uma coisa. A jornalista Jéssica Qacker
solicitou uma entrevista com o senhor. Como creio que o momento é delicado e
todo o apoio da mídia é necessário, talvez...
– Pensou bem Alexandre. Deixe que a garota fique em
algum quarto do hotel... Teremos que ser práticos. O quarto 301 está vago
correto?
– Todos no andar depois do incidente senhor. Os
hóspedes praticamente fugiram daqui.
– Está bem, então deixe que ela fique hospedada no
301. Não cobre-a de nada, precisamos fazer com que a mídia nos ajude e não o
contrário. Mas toda essa confusão... Você fará a entrevista no meu lugar
Alexandre. – Ordenou Lúcio, já fechando a porta atrás de si. Os lamentos de seu
assistente foram abafados por seus passos apressados.
Os policiais já aguardavam na recepção do hotel. A
recepcionista não estava em seu posto, algo que fez Lúcio franzir o cenho. Não
era do feitio da garota abandonar seu posto de trabalho, embora também não
fosse à funcionária do ano. Passos curtos trouxeram o magnata até os três
policiais que se encontravam discutindo algo importante.
– Senhores... – Saudou Lúcio, buscando parecer altivo
– Creio que essa situação pode ser resolvida com o máximo de discrição
possível. Peço que entendam que trabalhamos aqui com a mais alta classe
paulistana e seria uma pena se os moradores ficassem alarmados sem necessidade
– Mesmo Lúcio não teve segurança para terminar sua frase, pois sabia que a lama
estava lhe sufocando. Encarou os policiais, que apenas assentiram com os olhos.
Jair foi o primeiro a se pronunciar.
– Com todo perdão Senhor Moraes, mas... A situação que
temos aqui oferece riscos à segurança de seus hospedes e a sua própria. Precisaremos
isolar o prédio.
– Não! – Exclamou Lúcio, logo contendo sua voz e
arrumando seu terno – Talvez não haja tamanha necessidade. Uma investigação
conjunta da segurança do complexo com a excelente policia paulistana colocaria
o culpado atrás das grades facilmente. Onde está seu perito? – Nogueira encarou
Lúcio por um instante.
De fato, havia esquecido que seu distrito era um dos
poucos que não possuía um perito próprio, porém havia alguém que poderia
executar este trabalho com perfeição. O delegado xingou a si mesmo por cogitar
tal opção. Jair tomou a frente da conversa, exclamando.
– Ele está a caminho...
Passaram-se exatos vinte minutos quando o
ex-investigador Lázaro Pinheiro surgiu, adentrando as portas do Complexo. Seu
semblante cansado trazia certa instabilidade, como se algo estivesse lhe
perseguindo constantemente. Dentro do casaco amarrotado de Lázaro, o pequeno
frasco de Strezolazepan agitava-se.
Sua cabeça pulsava e implorava por mais um daqueles pequenos comprimidos. Olhos
fracos observaram os policiais e Lúcio, que ali estavam esperando por ele.
Lázaro foi até eles, mancando levemente graças ao acidente em seu apartamento.
– Boa noite senhores... Jair, qual é a situação? –
Perguntou Lázaro, tentando esconder o hálito da bebida. Jair olhou para o chão,
levemente desapontado. De todos, era o único que acreditava na inocência do
amigo contra sua antiga acusação. Há anos, Lázaro luta na justiça para provar
que não matou sua esposa. Entre todos os dedos acusatórios, Jair era o único
com a mão estendida. Ver o amigo neste estado deplorável lhe feria a honra.
Nogueira arrumou sua camisa e estufou o peito, preparando seu discurso de que
Lázaro não deveria se intrometer no assunto, mas foi Lúcio quem falou primeiro.
– Então este é o perito? – Perguntou, avançando e
agarrando a mão de Lázaro, forçando um cumprimento – É um grande prazer meu
caro. Meu nome é Lúcio Moraes e sou o proprietário deste império... – Lúcio
olhou para os policiais, que apenas desconversaram – Como dizia para seus
parceiros, temos um pequeno problema aqui... – O empresário utilizava de toda
sua lábia para convencer Lázaro que era um homem gentil. O ex-investigador
analisou seus olhos a fundo, buscando uma lacuna.
– Pode-se dizer que sou sim, um perito. Porém
aposentado, como dizem. Entretanto, fui chamado aqui para ajudar e é isso que
farei. Diga-me, senhor Moraes, qual é a situação? – Perguntou Lázaro, alisando
seu bigode.
– Bem... – Começou Lúcio, buscando palavras em seu
inconsciente para expressar toda aquela situação – Digamos que ocorreu uma
tragédia... – Lúcio encarou o vazio, forçando uma expressão tristonha – Um
assassinato, dentro das imediações do complexo. As câmeras não detectaram nada,
nem mesmo um movimento suspeito. Alias, encontramos algumas delas destruídas próximas
às piscinas e no terceiro andar. Lastimável...
– Certo... E o que mais aconteceu senhor Moraes? Há
alguns dias soube que uma vítima do Palhaço escapou. Eu mesmo participei do
depoimento da jovem. Pelo que entendi, ela estava na academia do complexo, isso
é verdade senhor Moraes? – Questionou Lázaro, semicerrando os olhos e sorrindo
levemente. Talvez essa pergunta fosse demais para o empresário metido a besta.
– De fato. Parece que este assassino deplorável
infiltrou-se como um verme e quer derrubar o nome dos Moraes. Primeiro ataca a
academia, depois as piscinas! Tenho medo do que pode acontecer senhor...
– Lázaro Pinheiro. Agora, diga-me. Por que a segurança
não foi reforçada após o acontecimento na academia? – Lázaro cruzou os braços
diante do corpo. Estava ficando sem argumentos. Lúcio sorriu confiante.
– Reforçamos sim a segurança senhor, porém esta víbora
é mais esperta do que parece. Houve a instalação de cinquenta novas câmeras no
complexo e a guarda foi triplicada. Entretanto, esta infelicidade acabou
ocorrendo... – Lúcio encarou o nada, novamente. Fitou seu reflexo refletido
logo atrás e admirou-se por um tempo. Era seu pecado mais profundo, o
narcisismo – Sabe, senhor Pinheiro, gostaria que este assunto fosse tratado com
descrição. Odiaria ver o nome do Complexo espalhado por todos os jornais.
Compreende? – Disse Lúcio em um sorriso falso. O delegado revirou os olhos,
cansado daquela encenação.
Lázaro fechou os olhos, pensativo. Talvez...
– E se eu investigasse isso a fundo, me hospedando
aqui? – Perguntou o ex-investigador, alternando seu olhar para Lúcio e
Nogueira. O Delegado começou.
– Nem pensar! Não posso permitir uma coisa destas
dentro do meu dist... – Nogueira foi interrompido por Jair, que colocou uma mão
em seu ombro e lhe lançou um olhar severo.
– Acalme-se delegado. O que Lázaro disse pode
funcionar. Desta forma, não criamos muito alarde e podemos investigar o
complexo por completo. Isso claro, se o senhor Moraes permitir tal coisa... –
Disse Jair, encarando Lúcio. O empresário sorriu, sem pensar.
– Mas é claro. Isso é... Perfeito... – Respondeu
Lúcio, levemente confiante. Como por um instante, as luzes do complexo apagaram
trazendo a tudo escuridão. Um leve grito foi ouvido pelos homens. A
recepcionista estivera o tempo todo abaixada em sua mesa, escutando a conversa.
Lúcio apenas balançou a cabeça, suspirando fundo e pedindo para que a mulher se
retirasse para seus aposentos.
Lázaro encarou a escuridão. Teria que se preparar para
tal desafio, depois dos problemas em seu apartamento. Poderia ele enfrentar
demônios maiores do que aqueles que habitavam seu inconsciente?
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