quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Capítulo II

Lúcio Moraes


Lúcio caminhava em círculos pelo quarto. Sua cabeça latejava e seus pensamentos não se alinhavam, tornando o exaustivo processo de imaginar como se livrar da situação pior ainda. Encarou o quadro de seu pai, observando-o com atenção. O velho sempre se importou mais com a companhia do que com a família e isto era de conhecimento público. O magnata sentou-se na poltrona e acendeu um charuto, encarando seu progenitor. Lembranças antigas como a morte de sua mãe, Yolanda, ou então quando finalmente assumiu o Complexo estagnaram a mente de Lúcio, forçando-o a aspirar a fumaça do tubo de tabaco. Tudo acontecera com velocidade demais e não havia tempo de processar todas as informações. Soltou a fumaça, em deboche ao pai.

– Sabe pai, eu fiz muito mais por isso aqui que você! – Respondeu o magnata para o vazio, em um triste monólogo pessoal – Você nunca se importou com ninguém mesmo, nunca gostou da própria família... – Lúcio inalou a fumaça do charuto, tossindo – É nisso que você me tornou. Em um herdeiro vazio e sozinho, e é tudo sua culpa! Eu tinha o direito de tirar tudo de você! Você nunca fez nada direito!

Lúcio levantou-se, claramente perturbado. Seus cabelos estavam desarrumados e suas mãos encaminharam-se para o uísque tão rapidamente quanto suas ofensas para a solidão. Bebeu dois goles e encarou o copo, observando seu reflexo no líquido amadeirado. Olheiras serviam-lhe de moldura para olhos cansados, aflitos com o recente pandemônio instalado nas imediações do Complexo.

– O que eu tenho que fazer pra tudo voltar como era? – Questionou-se, encarando o grande espelho. Admirou-se por alguns segundos, mas logo viu a face da tristeza correr por sua face – Não... Ninguém pode saber...

Alguns passos em direção ao espelho e um ligeiro gesto que ativava um mecanismo. Isto é o que separava as coleções de arte contrabandeadas de Lúcio do resto do mundo. Fechando o espelho atrás de si, Lúcio se viu em um amplo closet repleto de joias, pinturas raras e sua mais recente aquisição, a taça da copa do mundo Jules Rimet. Caminhou por entre as peças mais procuradas do país e de alguns outros, admirando a beleza e vangloriando-se por suas conquistas. Um pouco a frente, um circuito interno de vigilância monitorava os passos dos hóspedes. A paranoia de Lúcio intensificara-se com os recentes ataques do assassino nas imediações do complexo e quando as reservas despencaram, o empresário notou que algo deveria ser feito. O ranger da porta de seu quarto denuncia que o momento de devaneios havia terminado e Lúcio se encaminha para fora de seu espaço pessoal de triunfo, com nada mais que determinação pulsando em seus brilhantes olhos castanhos. Alexandre encontrara seu patrão observando-se no espelho, como sempre. Algo no empresário criava no assistente uma profunda sensação de conforto e tranquilidade e nada poderia abala-lo enquanto trabalhasse para aquele homem.

O assistente cruzou o quarto com um ar apressado, porém respeitoso como sempre. Lúcio analisou o jovem se aproximar pelo reflexo no espelho. Era verdade que Alexandre era um funcionário dedicado e fiel, mas Lúcio notara certas particularidades de seu assistente que claramente lhe convinham. O garoto possuía uma admiração fervorosa pelo empresário, algo como uma fidelidade inflexível. Os lábios de Lúcio se arquearam em uma curva maldosa. Talvez essa criança pudesse lhe convir para que todo esse caos fosse esclarecido...

– Senhor... Senhor Moraes. Aqui estão os relatórios de hospedes da semana... – Alexandre evitava olhar Lúcio diretamente, fugindo de seu olhar como um cachorro assustado – Senhor, a polícia esteve aqui pela manhã. Eles entraram fazendo barulho, querendo interditar a academia...

Lúcio sorriu novamente, desta vez em desdém. Sabia da polícia paulistana e jamais se curvaria ao conformismo, deixando seu palácio nas mãos de incompetentes. Virou-se, perfeitamente trajado em seu terno italiano e encarou Alexandre.

– Sabe Alexandre, existem poucas coisas decentes que aprendi com meu pai. Mas aquele velho às vezes soltava um ou outro devaneio bem interessante... – Respondeu Lúcio, cruzando o quarto até a cômoda, onde um copo de uísque repousava – Se você quer alguma coisa bem feita, faça você mesmo. 

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