Lúcio Moraes
Lúcio caminhava em círculos pelo quarto. Sua cabeça
latejava e seus pensamentos não se alinhavam, tornando o exaustivo processo de
imaginar como se livrar da situação pior ainda. Encarou o quadro de seu pai,
observando-o com atenção. O velho sempre se importou mais com a companhia do
que com a família e isto era de conhecimento público. O magnata sentou-se na
poltrona e acendeu um charuto, encarando seu progenitor. Lembranças antigas como
a morte de sua mãe, Yolanda, ou então quando finalmente assumiu o Complexo estagnaram a mente de Lúcio,
forçando-o a aspirar a fumaça do tubo de tabaco. Tudo acontecera com velocidade
demais e não havia tempo de processar todas as informações. Soltou a fumaça, em
deboche ao pai.
– Sabe pai, eu fiz muito mais por isso aqui que você!
– Respondeu o magnata para o vazio, em um triste monólogo pessoal – Você nunca
se importou com ninguém mesmo, nunca gostou da própria família... – Lúcio
inalou a fumaça do charuto, tossindo – É nisso que você me tornou. Em um
herdeiro vazio e sozinho, e é tudo sua culpa! Eu tinha o direito de tirar tudo
de você! Você nunca fez nada direito!
Lúcio levantou-se, claramente perturbado. Seus cabelos
estavam desarrumados e suas mãos encaminharam-se para o uísque tão rapidamente
quanto suas ofensas para a solidão. Bebeu dois goles e encarou o copo,
observando seu reflexo no líquido amadeirado. Olheiras serviam-lhe de moldura
para olhos cansados, aflitos com o recente pandemônio instalado nas imediações
do Complexo.
– O que eu tenho que fazer pra tudo voltar como era? –
Questionou-se, encarando o grande espelho. Admirou-se por alguns segundos, mas
logo viu a face da tristeza correr por sua face – Não... Ninguém pode saber...
Alguns passos em direção ao espelho e um ligeiro gesto
que ativava um mecanismo. Isto é o que separava as coleções de arte
contrabandeadas de Lúcio do resto do mundo. Fechando o espelho atrás de si,
Lúcio se viu em um amplo closet repleto de joias, pinturas raras e sua mais
recente aquisição, a taça da copa do mundo Jules
Rimet. Caminhou por entre as peças mais procuradas do país e de alguns
outros, admirando a beleza e vangloriando-se por suas conquistas. Um pouco a
frente, um circuito interno de vigilância monitorava os passos dos hóspedes. A
paranoia de Lúcio intensificara-se com os recentes ataques do assassino nas
imediações do complexo e quando as reservas despencaram, o empresário notou que
algo deveria ser feito. O ranger da porta de seu quarto denuncia que o momento
de devaneios havia terminado e Lúcio se encaminha para fora de seu espaço
pessoal de triunfo, com nada mais que determinação pulsando em seus brilhantes
olhos castanhos. Alexandre encontrara seu patrão observando-se no espelho, como
sempre. Algo no empresário criava no assistente uma profunda sensação de
conforto e tranquilidade e nada poderia abala-lo enquanto trabalhasse para
aquele homem.
O assistente cruzou o quarto com um ar apressado,
porém respeitoso como sempre. Lúcio analisou o jovem se aproximar pelo reflexo
no espelho. Era verdade que Alexandre era um funcionário dedicado e fiel, mas
Lúcio notara certas particularidades de seu assistente que claramente lhe
convinham. O garoto possuía uma admiração fervorosa pelo empresário, algo como
uma fidelidade inflexível. Os lábios de Lúcio se arquearam em uma curva
maldosa. Talvez essa criança pudesse lhe convir para que todo esse caos fosse
esclarecido...
– Senhor... Senhor Moraes. Aqui estão os relatórios de
hospedes da semana... – Alexandre evitava olhar Lúcio diretamente, fugindo de
seu olhar como um cachorro assustado – Senhor, a polícia esteve aqui pela
manhã. Eles entraram fazendo barulho, querendo interditar a academia...
Lúcio sorriu novamente, desta vez em desdém. Sabia da
polícia paulistana e jamais se curvaria ao conformismo, deixando seu palácio
nas mãos de incompetentes. Virou-se, perfeitamente trajado em seu terno
italiano e encarou Alexandre.
– Sabe Alexandre, existem poucas coisas decentes que
aprendi com meu pai. Mas aquele velho às vezes soltava um ou outro devaneio bem
interessante... – Respondeu Lúcio, cruzando o quarto até a cômoda, onde um copo
de uísque repousava – Se você quer alguma coisa bem feita, faça você mesmo.
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