quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

ATO I - Capítulo I

Lázaro Pinheiro


Mariana se lembrava de cada detalhe com exatidão inigualável. Sua precisão era apenas alternada pela beleza selvagem que se encontrava, ou talvez por seu olhar insano. Apenas uma fraca luz iluminava a pequena sala de depoimentos onde Nogueira e Lázaro aguardavam. A garota já havia tomado três copos de água e pelo menos cinco xícaras de café desde que chegara e quase não proferiu uma única palavra. Aquilo irritava Lázaro, o frustrava. Por fim, encarou a garota e pediu para que a mesma começasse a falar. Recebeu uma observação severa do delegado, mas não era de sua importância. O ex-investigador tinha uma necessidade compulsiva por informações e esta garota parecia ser um poço delas. A mesma endireitou-se na cadeira, iniciando assim seu depoimento.

– Era uma manhã de quarta-feira, acho. Eu estava estressada por que meu agente não parava de me cobrar eventos e eu nunca tinha tempo para eu mesma, portanto decidi sair um pouco do apartamento. Não parecia ter nada de errado com o hotel, é sempre tudo tão organizado que chega a assustar... – Mariana deixou seu olhar vago encarar a mesa, perdida em devaneios. Lázaro precisou forçar um pigarro para trazê-la de volta – Onde eu estava... Ah sim. Então eu fui para a academia. Estava tudo correndo normalmente, mas o problema aconteceu quando eu estava indo embora. Consigo lembrar os braços fortes e de um pano com cheiro estranho que colocaram na minha boca. Foi tudo tão rápido...

– E o rosto. Lembra-se de algo? – Questionou o delegado. Lázaro parecia atento às feições da garota, tentando enxergar algum detalhe que passaria despercebido.

– Não... Como eu dizia. Quem quer que fosse me agarrou por trás e desmaiei sem ter chances de reagir. Acordei horas mais tarde, com os pés amarrados em uma cadeira e uma mesa cheia de... – Mariana parou por um momento. Seus olhos lacrimejaram levemente e ela fez menção ao vomito, mas não o concluiu. Pelas análises de Lázaro, a garota claramente já tinha feito isso no caminho para a delegacia. O delegado pareceu perturbado com a ação da jovem, mas ordenou que a mesma prosseguisse com o depoimento – A mesa estava cheia de comida. De tudo qualquer tipo. Eu não estava... Eu não estou habitualmente preparada para comer desse jeito... – A jovem interrompeu novamente o depoimento, envergonhada – Ser modelo... É algo complicado.

Lázaro analisou os olhos chorosos da garota. Ela estava obviamente transtornada, mas o velho investigador não conseguia compreender qual era o objetivo de um sequestrador expondo a vítima a seus temores. Bebericando mais algumas goladas de café, Lázaro tomou a frente, questionando.

– Certo... Mas me diga Mariana, ele lhe ameaçava de alguma forma? O que ele falava? – Disse Lázaro, buscando reconstruir a cena. O detetive pareceu surpreso ao ouvir a voz de Lázaro, mas sua atenção não tardou a voltar para a modelo, que logo respondia.

– Sim. Ele ficava sempre me perguntando o “por quê?”. E ele tinha uma arma apontada para minha cabeça... – Mariana soluçou mais uma vez, iniciando outro surto de choros. O delegado fechou os olhos, tentando entender. O assassino tinha uma arma em mãos e ainda sim, desistiu de mata-la. Algo estava errado neste caso.

– E ele não tentou mata-la? Ele não tentou atirar de você? – Perguntou Lázaro. O investigador aposentado tinha as mesmas dúvidas que o delegado, e algo nesta história lhe incomodava. As peças não se encaixam conforme de costume.

– Ele me bateu, acho que umas três vezes, com a coronha da arma. Toda vez que eu não respondia ou parava de comer, ele me dava um soco. E sempre me questionando...

– “Por que?” – Repetiu o delegado, retoricamente.

– Sim. E então, quando terminei de comer, ele disse que eu estava absolvida de meus medos. E-eu não entendi nada... Eu pensei que ele iria me matar. Mas então cortou as cordas que me prendiam na cadeira e me deu uma última coronhada... Depois acordei em um beco, a umas três quadras do complexo. É tudo que eu lembro...

Lázaro a observou por alguns instantes. Esse não era o modo padrão que um sequestrador agia. Geralmente, se não tivesse o que procurava, ele simplesmente faria de tudo para se livrar das provas. Algo não cheirava bem nisto tudo e o delegado parecia tão perdido quando o olhar daquela garota. Sem dizer mais uma palavra, Lázaro levantou-se e saiu da sala de depoimentos perdido. Talvez estivesse perdendo o jeito para a investigação mesmo.

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