Jéssica Qacker
Sirenes e luzes alternadas encenavam um espetáculo
macabro na frente do Complexo Moraes.
Uma fina garoa caía sobre os ombros do delegado Nogueira e dos investigadores
Osmar Romano e Jair Ferreira enquanto a área era isolada. Minutos antes, Jair
havia enviado uma mensagem para Lázaro, informando-o do acontecido. Um corpo
encontrado no terceiro andar do gigantesco Complexo,
simplesmente deixado em seu próprio apartamento. Os sinais de abandono eram
evidentes, mas quem quer que tenha feito aquilo, fora cuidadoso ao ponto de não
deixar impressões digitais ou algo que o incriminasse. Apenas um nariz de
palhaço e uma frase. A noite era fracamente estrelada e mesmo a lua trazia
apenas um pedaço de si para aquele cenário trágico. Jéssica também fora
notificada, de uma maneira não tão profissional, por seu informante. Osmar fora
o primeiro a entrar na cena, juntamente com Jéssica. A desculpa de um chamado
de emergência lhe fez correr para a cena do crime com velocidade nunca antes
vista, acompanhado da jovem repórter e de sua falta de ética pulsante.
Ao abrir os olhos e encarar o celular vibrando,
Jéssica sabia que teria algo em mãos. Dois círculos castanhos brilharam ao ver
a notificação de Osmar, informando-a que alguma coisa aconteceu no complexo e
ela deveria deslocar-se para lá o mais rápido possível. A garota agarrou seus
objetos mais pessoais e avançou contra a porta de seu apartamento. Uma câmera
de definição duvidosa e uma pasta de recortes chacoalhavam dentro de sua bolsa
enquanto a jovem corria até o metrô. Suas mãos tremiam em euforia. Finalmente,
algo realmente acontecera, as engrenagens estavam se agitando. Subira as
escadas-rolantes em pulos, encarando a larga Avenida Paulista em um final de tarde
ameno. Osmar lhe esperava na entrada do Complexo. Jéssica se encarou na
superfície espelhada, ajeitando sua roupa e arrumando seu cabelo. Estava
completamente desarrumada, mas aquilo teria que servir. Entraram pela porta
automática, sendo saudados por uma recepcionista desatenta.
– Em que posso ajudar? – Perguntou a mulher, sem olhar
nos olhos de Osmar. O investigador soltou um pigarro, para ganhar certa
autoconfiança.
– Estou aqui para inspecionar o apartamento 303 do
hotel. Recebemos um chamado de emergência – Disse Osmar, exalando seu hálito
imundo. Jéssica estava parada ao seu lado, admirando as estruturas e ainda
maravilhada com a possibilidade de entrar na cena antes mesmo da polícia.
– Ah sim... Algum morador deve ter reclamado do
cheiro. Parece que a Srta. Daniela não sai de casa já faz algum tempo e nem
mesmo atende ao telefone. Por mim, ela é uma garota mimada, que fugiu de casa e
roubou algum dinheiro dos pais mas... Quem sou eu para julgar. Posso ver seu
distintivo Sr...? – Perguntou a recepcionista, desconfiada.
– Romano, Osmar Romano – Respondeu Osmar, sem perceber
sua referencia. Jéssica riu em silêncio da estupidez de seu parceiro. Osmar
estendeu a mão, mostrando seu distintivo para a recepcionista, que logo lhe
devolveu sem questionar. Mas algo lhe devolveu a atenção.
– Mas e ela? É alguma coisa é? – Perguntou a
recepcionista, levantando uma sobrancelha.
– Ela... Ela é... – Osmar parecia inquieto, fora pego
desprevenido. Jéssica tomou a frente, batendo as duas mãos no balcão e inclinando-se
para encarar a atendente.
– Delegada Garcia, a seu dispor. E mais uma dessas
perguntas inconvenientes e você vai parar na delegacia por desacato a
autoridade, entendeu benzinho? – Jéssica arfava lentamente, como se tivesse
realmente perdido a paciência. Osmar encarou-lhe, estupefato, assim como a
recepcionista.
– C-Certo senhora... Mil perdões. O elevador está
liberado, podem subir. Apartamento 303. Aqui está a chefe de reserva... Como
vocês são da policia, creio que possam “invadir” a privacidade da Srta.
Daniela... – Respondeu a recepcionista, receosa.
– Invadir? O que quer dizer com isso? – Retrucou
Jéssica, ainda sem sair de seu personagem.
– N-Nada senhora... O elevador já está liberado, podem
ir... – A recepcionista tremia.
E assim foram. Jéssica e Osmar entraram no elevador,
finalmente respirando. Romano encarava Jéssica com total descrença, como se
estivesse olhando um ídolo perdido.
– O que diabos foi tudo aquilo? – Questionou, ainda
assustado pela atitude inesperada de Jéssica.
– O que? Uma mulher tem que fazer o que uma mulher tem
que fazer... – Respondeu Jéssica, sorrindo – E qual é? Como se você nunca
tivesse contato uma mentirinha ou outra...
– Até conto, mas... Isso ainda pode dar muita merda
sabia? – Disse Osmar, temendo o pior.
– Dá nada. Eu já tenho tudo pensado, aqui ó – Jéssica
tamborilou as têmporas – Agora quero só ver o que temos por aqui.
As portas do elevador se abriram, revelando um extenso
hall. Portas duplas se alinhavam a esquerda e a direita. Um carpete vermelho sangue
sob seus pés, a dupla avançou contra o apartamento indicado. As mãos de Jéssica
tremiam ainda de emoção.
– Sabe... É como revisitar algo. Sinto que já estive
aqui. Tipo um Dejavú – Disse Jéssica, sem olhar para Osmar.
A visão de Jéssica foi tomada de assalto por uma
explosão de odores. Um cadáver estava desalinhado, sentado a uma cadeira de
alumínio branca. O sangue seco manchava sua roupa e o chão. Um olhar vazio para
o infinito terminava sua expressão, fazendo Jéssica estremecer. Osmar assobiou
levemente, impressionado.
– A merda aqui foi grande, isso vai dar uma
trabalheira...
Jéssica ignorou o comentário, caminhante diante da
cena munida de sua câmera. Uma revista adolescente trazia em sua capa em letras
garrafais: “Do que você tem medo? Faça o teste!” Algo parecia incorreto naquela
garota morta. Aproximando-se, Jéssica viu em sua mão uma pequena bola vermelha
de plástico. Intrigou-se com aquele pequeno objeto alheio a cena.
– Osmar, vem dar uma olhada nisso daqui... – A
jornalista analisava o corpo friamente. Não era o primeiro cadáver que via em
sua vida, porém a sensação de estar próxima a um morto e não sentir nada
causava calafrios em Osmar. Cauteloso, o investigador se aproximou,
agachando-se próximo a Jéssica. Osmar, com um luva, retirou da mão da jovem o
objeto avermelhado. Um nariz de palhaço com os dizeres “Por quê?”. Franziu o cenho, intrigado.
– Será que é o palhaço? Digo... O Palhaço? Se for ele, estamos perdidos... – Respondeu Osmar,
suando.
– Talvez nem tanto, mas preciso dar uma atrasada nos
seus amigos... Já sei! – Respondeu Jéssica, antes de virar a mesa da cozinha e
quebrar uma ou duas cadeiras.
– Mas que porra cê tá fazendo Jéssica? Tá querendo me
ferrar? – Gritou Osmar. Seus olhos estavam avermelhados, injetados em uma
mistura de fúria e medo.
– Fica calmo queridinho... Isso só vai atrasar teus
amiguinhos, eles vão pensar que houve luta e tudo mais. Enquanto eu e você
sabemos toda a verdade e avançamos com a investigação, tá entendendo? – Disse
Jéssica, piscando levemente para Osmar. O investigador estremeceu a principio,
mas logo deixou que a ética abandonasse seu corpo. Em questão de minutos, o
apartamento parecia uma zona de guerra – Ufa... Acho que assim está bom. Vou
tirar umas fotos e guardar na agenda... – Jéssica respirava com dificuldade,
deixando seu casaco sobre o sofá e ficando apenas uma leve camiseta. Suas
curvas eram acentuadas e Osmar fazia questão de admirar tal beleza. Um
atrevimento lhe traria a ruína naquele momento, então se pôs apenas a observar
os deliciosos contornos da jovem jornalista. Jéssica guardou as fotos da polaroide em sua pasta – Mas uma pra
coleção...
– Hei garota. O que você guarda com tanto afinco nessa
coisa aí ein? Deixa eu dar uma olhada... – Osmar havia se levantado, estendendo
a mão para pegar a pasta da mão de Jéssica. Um tapa foi acompanhado de um grito
histérico. – Mas que porra foi essa Jéssica?! – Berrou Osmar, transtornado com
a reação.
– Nunca mais encosta nisso. Nem pensa em botar tuas
mãos nojentas nessa pasta, tá entendendo Osmar? Se você botar um dedo aqui, eu
o arranco. Arranco a mão junto, só pra tu aprender! – Jéssica puxou a pasta
junto ao corpo e saiu do apartamento, vestindo sua jaqueta antes – Ninguém pode
saber... – Disse, quando já entrava no elevador.
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