quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Prólogo - Lázaro Pinheiro

A delegacia parecia deserta. Dores de cabeça e o cheiro forte de café enfeitavam alegremente os cantos daquele lugar onde os crimes deveriam ser julgados. Era a quinta-feira mais monótona do ano e vários policiais daquele distrito faziam questão de deixar clara sua aptidão para nada. E então, vieram os gritos e a chacoalhar de portas. Uma jovem imunda e com as roupas rasgadas adentrava a delegacia balbuciando palavras incompreensíveis. A moça estava claramente machucada, com diversas escoriações nos braços e no rosto. Seu olhar era claramente insano.

– O... O palhaço... E-eu escapei... – Conseguiu proferir a jovem – Me ajudem!

Diversos policiais levantaram de suas cadeiras mofadas e seguiram para acudir a jovem transtornada. Neste mesmo instante, um velho ex-investigador adentrava a delegacia, contornando a garota e o amontoado de pessoas que se aglomerava ao seu redor. O homem buscava seu antigo parceiro e, como sempre, o delicioso café requentado da delegacia.

Já passavam das duas horas da tarde. O delegado designado era um verdadeiro paspalho, como previamente constatado por Lázaro. Um sujeito raquítico, que não teria os culhões necessários para este tipo de caso. Sentado naquela cadeira na entrada da delegacia, o ranzinza e observador Lázaro Pinheiro revivia seus bons tempos como policial, transformando sua amargura e ressentimento em algo produtivo. Ou pelo menos, era isto que ele pensava. Assoviando baixinho naquela tarde, Lázaro escutou trechos entrecortados de uma conversa perdida. Mas o velho policial sabia que não seria uma conversa qualquer. Tratava-se de um depoimento. Pigarreou e observou a manchete do jornal logo a seu lado. Libertada a primeira vítima. Intrigado, Lázaro ergueu uma sobrancelha e agarrou os papeis, ansioso por informação. Como pensava, tratava-se de uma reportagenzinha sensacionalista da mesma repórter de sempre. A garota podia prender a atenção do mundo com suas palavras toscas e mente rápida, mas não o velho Pinheiro...
Levantou-se quase em um salto quando o delegado adentrou o distrito, exibindo seu nariz vermelho e espalhando a nicotina de seu suor pelo lugar. Sua reação não foi receptiva ao ver Lázaro apoiado no balcão, com seu habitual sorriso presunçoso.

– Ainda está aqui velho? Não tem mais o que fazer? – Perguntou o delegado, em sua mais sincera carranca mal-humorada. Lázaro semicerrou os olhos, analisando o pequeno homem. Não fora promovido há tanto tempo, porém desejava transmitir esta confiança. Um tanto acima do peso e com os cabelos oleosos, aquele homem poderia muito bem ser confundido com um simples carroceiro se não fossem sua arma e seu distintivo.

– Ora! Peço perdão por essa interrupção, Sr... Sempre me esqueço de seu nome... – Respondeu Lázaro, ácido e perspicaz – Gosto das coisas aqui, e de vez em quando aparece uma ou outra “coisa” que possa ajudar... Tipo aquela moça ali.

Desta vez, Lázaro passou pela analise do delegado. O homem tinha seus defeitos, e estes compunham uma lista quilométrica, mas ainda sim era um policial. Lázaro Pinheiro deveria estar em seus custosos sessenta anos, ou até mais, segundo alguns policiais mais velhos no distrito. Quando chegara, fora informado da presença constante do velho e de sua utilidade. De fato, os cinzentos olhos do velho policial transmitiam a sabedoria e a perspicácia de o delegado não possuía. E estes mesmos olhos refletiam a dor e angústia de uma alma sofrida, amargurada por anos de torturas e autoflagelações. Absorto em seus pensamentos, o delegado Nogueira foi retirado de seus devaneios por Lázaro. O mesmo estava ansioso para assistir ao depoimento da jovem.

Pela primeira vez, Lázaro sentiu que poderia voltar a fazer aquilo que tanto amava. E pela primeira vez, depois de tanto tempo, seu coração voltou a bater.



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