quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Escuridão

Escuridão é tudo que vejo. O silêncio noturno aperta minha garganta e nem mesmo consigo clamar por ajuda. Não sei onde estou e para ser sincero, não me lembro quem sou. Este quarto é pequeno, pelo que posso tatear. Quatro paredes bem colocadas de concreto rústico, um chão de terra poeirenta. Minhas mãos doem. Parecem machucadas, juntas doloridas. Por que fui submetido a tal processo? Arrasto-me até a parede, buscando um apoio, sustentação. Estou fraco, minhas pernas doem e mal conseguem sustentar meu próprio peso. Não vejo motivos para abrir meus olhos. Estou sozinho.

Passaram-se vinte minutos. Continuo escorado nesta frágil parede de concreto, pensando. Meus pés não se mexem, por mais que eu queira sair deste lugar fétido. Existiria uma porta, um fim para este tormento? Forço minha vontade sobre este corpo enfraquecido e cambaleio vacilante por esse cômodo. Acerto a parede adjacente com meu ombro. Dor. Uma pontada lancinante desce pelo meu braço e atinge até a extremidade da minha mão. Observo com o olhar atento de um cego a parede. Estou preso. Estou sozinho.

Choro. Desespero. É aterrador este sentimento. Jogado no chão agora, sem esperanças, sufoco com minhas lágrimas. Minha cabeça dói, minha garganta está fechando. O ar está falhando e minha mente vagueia. A doce neblina da distração vem me agraciar com um pouco de calma. Estou sozinho.

Acordo. A escuridão me dá boas vindas enquanto observo o teto. Apesar de saber da inutilidade do feito, abro os olhos. Minhas costas doem, provavelmente pelo esforço contínuo e a posição em que desmaiei. Gargalho, porém nenhum som sai de minha boca. Até mesmo isso, penso. Cego, mudo. Provavelmente estou surdo também, mas não é algo que possa confirmar. Fecho os olhos novamente, esperando pela morte. Estou sozinho.

Sozinho. Essa palavra se repete. Entre quatro paredes, preso em um cubículo. Talvez houvesse uma porta. Talvez, só talvez, um pouco de esforço me fizesse chegar a ela. O medo foi o primeiro a me consumir, levando toda minha esperança. Depois veio a escuridão e com ela, o desespero de estar sozinho. Mas estou realmente sozinho?

Não, responde a voz. Sorrio. Parece que minhas preces foram atendidas. Ela chegou.

A porta se abre. Luz. Som. Ar.

Acordo e o sol ainda não nasceu. Preso aos grilhões invisíveis da minha mente, um pesadelo recorrente.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Teaser "Quarto 401"

Olho para meu reflexo no espelho, mas não vejo nada. De fato, há uma projeção de minha pessoa, mas algo está errado. Seriam os olhos vazios, sem vida? Talvez seja a pele, já pálida e levemente ressecada. O cheiro de putrefação é claro e inunda os pulmões que já não funcionam mais. Garrafas e todo tipo de roupa enfeitam o chão do quarto de hotel. O carmesim espalhado pelo carpete barato agrega ao ambiente uma notoriedade singular enquanto meu corpo permanece imóvel, com os membros esticados pela cama. Encaro virtualmente o teto em um ciclo que será infinito, até que reclamem do cheiro. Sou um fantasma, sou uma assombração. Estou entre os mundos e posso viver aqui para sempre, se me permitir à ironia desta frase...

Bem vindos ao quarto 401


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Capítulo XX

Lázaro Pinheiro


Um tiro na perna. O palhaço caiu, gritando em dor. Alexandre observava a cena enquanto Jéssica corria para verificar se Alexandre estava bem. E então, o Palhaço se levantou. Seu sorriso eterno era intensificado por uma risada maligna, que interrompeu o percurso de Jéssica no meio do caminho. Arrancando a máscara, finalmente o palhaço se revelou. Lúcio Moraes, o magnata. Alexandre encarava seu patrão, atônito. Lúcio respirava com dificuldade, mas ainda encarava Lázaro como em um duelo.

– Eu te disse não foi! Somos iguais Lázaro, eu e você! Te disse isso quando te conheci por que reconheço um assassino quando vejo um! Agora você vai me matar e todo mundo vai saber que eu sou o Palhaço! E eu nunca vou ter encontrado o por quê! E vai ser por sua culpa, seu velho presunçoso! – Gritava Lúcio a plenos pulmões, para que Lázaro pudesse lhe ouvir. O velho continuava empunhando sua arma, apenas esperando – Tudo aconteceu em uma noite. Descobri que sou afóbico! Sabe o que significa isso? Não tenho medo! Essa tua arminha aí não me amedronta Lázaro Pinheiro, seu detetive fajuto. E você – Encarando Jéssica – Achou que realmente poderia se promover as minhas custas, sua piranhazinha desqualificada. Uma jornalista de tabloide tentando se vender. Parece-me muito com uma prostituta. Mas não se compara ao assassino ali, com a arma na mão. Eu pesquisei sobre você, senhor Lázaro Pinheiro... – Lúcio andava enquanto falava. O cascalho da cobertura resmungava sobre seus pés – Matou a esposa com um tiro “acidentalmente” – Lúcio encenou com os dedos – É isso mesmo?

– Cale a boca seu assassino! Você vai pra cadeia! – Gritou Lázaro em fúria. Sua mão tremia.

– Não, eu não vou pra cadeia nenhuma. E é por dois motivos, seu completo paspalho! Em primeiro lugar – Disse Lúcio, pigarreando – Estamos no Brasil. Sou poderoso e tenho dinheiro. Logo, não vou. Ponto. Segundo! Eu não posso morrer antes de saber por que ela morreu falando aquilo. Entende agora? Por quê?

– Do que você está falando? Você está louco, completamente louco! – Jéssica afastava-se lentamente, tentando alcançar Alexandre.

– Não, minha querida vagabunda. Não estou louco. Há anos, durante minha infância, cometi um erro. Acidentalmente, minha irmã morreu por conta deste erro e agora descubro que foi pelo medo. As pessoas morreram por seus medos e não por minhas mãos! Se existe um assassino, é aquele homem ali! – Apontou Lúcio para Lázaro – Tudo que eu quero é entender o porquê eu não consigo ter medo... Por que...

– Vou te contar um segredo – Começou Lázaro – Há alguns anos, eu realmente atirei na minha mulher. Durante uma discussão, por algum motivo a arma estava na minha mão. Eu devia estar recarregando ela ou algo do tipo – Lázaro riu, sua visão perdendo-se na memória – Engraçado. A discussão era sobre eu me arriscar no trabalho. Tudo aconteceu tão rápido que mal tive tempo de entender. Amélia gritava e tentou arrancar a arma da minha mão e eu apertei o gatilho tentando puxar. A bala se alojou no coração dela Lúcio. Sim, eu matei minha esposa. E acredite, me culpo por isso até hoje. Mas me culpo ainda mais por não ter ficado na polícia e continuar caçando calhordas como você!

Alexandre já estava solto e ficava ao lado de Jéssica. Seus olhos estavam lacrimejando e ele não conseguia parar de observar Lúcio.

– Você não respondeu minha pergunta! Por que ninguém responde o Palhaço?! – Perguntou Lúcio, fugindo da realidade – É tão difícil!? Por que eu não tenho medo?

– Por que você é único! – Disse uma voz familiar. Alexandre havia se movido para trás de Jéssica e agora abraçava seu pescoço, em um estrangulamento controlado – Mais um movimento e o pescoço dela já era! – Gritou Alexandre para Lázaro. O policial xingou-se por ser tão descuidado – Senhor Lúcio, fiz tudo direitinho? Eu não podia... Eu nunca podia imaginar que o senhor era ele... Se tivesse me contado antes, poderia ajudar senhor...

Uma curva maligna estendia-se no rosto de Lúcio. Virara o jogo contra o ex-investigador e agora possuía o poder em suas mãos.

– Viu só Lázaro, contemple minha vitória. Não foi tão difícil dizer a resposta, não é Alexandre. Sabe Lázaro, o mundo precisa de mais pessoas como ele. Pessoas que sabem seu lugar! – Lúcio gargalhava – Venha Alexandre – Traga-a para a beirada. Deixe que sinta o frescor da madrugada. Nada tema, eu lhe absolvi do medo. Estás curado!

Alexandre arrastou Jéssica, cauteloso pela arma de Lázaro. O detetive apenas calculava.

– O mundo é dos espertos, Lázaro. E nele, eu sou rei! – Gargalhou Lúcio.

Naquela madrugada, um tiro ecoou pela avenida mais movimentada de São Paulo.

Capítulo XIX

Jéssica Qacker


Jéssica e Lázaro corriam pelas escadas, arfando. Todas as luzes do Complexo estavam apagadas e nenhum dos elevadores funcionava. Apenas o quarto de Lúcio tinha energia suficiente para manter os monitores funcionando. As escadas eram um desafio e tanto para Lázaro, que as encarava como o fim de sua vida. O coração de Jéssica bombeava como nunca. Suas frustrações, suas decepções, todas mortas. Parecia que a vida tinha um novo sentido agora que o peso estava livre de suas costas. Lázaro trazia em suas mãos um revólver. É bom que você saiba usar isso daí direito velhinho... Pensou Jéssica. Encontraram, por fim, a porta da cobertura. Jéssica tentou um primeiro empurrão, sendo surpreendida pela inercia da porta metálica.

– Atira no trinco! Vai logo Lázaro, ele vai matar o moleque! – Gritava Jéssica desesperada. Lázaro encarou a porta, balançando a cabeça.

– Está fechada pelo outro lado, vamos ter que derrubar no peso – Respondeu o velho, já se preparando para o choque. Jéssica olhou sem entender quando Lázaro investiu contra a grande porta com seu ombro. O impacto fez o metal ranger. Por fim, Jéssica compreendeu a estratégia e colocou-se a ajudar o companheiro. Depois de algumas investidas, finalmente o ar fresco da noite paulistana atingiu-lhe o rosto. Encaravam agora o homem com a máscara de palhaço, que ameaçava chutar Alexandre do parapeito do prédio. Jéssica olhou em desespero para Lázaro, esperando uma reação.

Capítulo XVIII

Lázaro Pinheiro


Lázaro havia pensado o mesmo que Jéssica. Uma reunião com Lúcio e algumas vistorias no sistema de segurança poderiam dar uma pista do paradeiro do assassino. Sem dúvidas, o Palhaço estava hospedado no Complexo. O detetive havia constatado isso após o atentado contra a vida de Helena Almeida de Chagas, a recepcionista do hotel. Durante a rápida viagem de elevador, discutiu alguns pontos com Jéssica, revelando detalhes da personalidade da garota que fizeram o ex-investigador corar por julgar-lhe tão mal. De fato, Jéssica contou-lhe tudo que acontecera. Estava cansada de uma vida de mentiras e falsidade. Lázaro ouvia tudo com total atenção. 

Chegaram ao apartamento de Lúcio, que se encontrava entreaberto. Os dois companheiros recém-descobertos olharam-se em dúvida. Lázaro foi o primeiro a avançar, abrindo a porta lentamente. Testou o interruptor, mas este estava desativado. Talvez uma pane no sistema elétrico? Pensou Lázaro. Caminharam com a ajuda de uma pequena lanterna trazida por Jéssica. Em base, o apartamento tinha um requinte a mais dos demais. Uma cama por fazer estendia-se por quase todo o quarto e um amplo espelho emoldurado jazia na parede.

– Ilumine ali – Pediu Lázaro. Jéssica apontou para a parede, onde parte do espelho parecia desfalcada. A passos largos, Lázaro chegou ao objeto notando um fundo falso – Uma porta... Lúcio Moraes, o que diabos você está fazendo? – Perguntou-se Lázaro.

– Não devíamos estar aqui... Ele pode voltar ou pode estar aí dentro... – Disse Jéssica, temerosa. Lázaro encarou a jornalista com seu sarcasmo habitual.

– O que é isso? Redenção? – Disse o detetive, adentrando a escuridão – Como se fosse a primeira vez que você faz isso não é mesmo Srta. Qacker... – Jéssica deu de ombros, sorrindo de canto. Entrou pelo fundo falso, acompanhando Lázaro.

A dupla entrou em um estado quase catatônico ao ver a coleção de obras de arte. Quadros, esculturas. Céus! A taça da copa! Pensou Lázaro. Esse filho da mãe tem a taça da copa! Caminharam entre os objetos, até Jéssica tropeçar em algo. Lázaro constatou que eram roupas usadas, sujas por alguma coisa viscosa.

– Hei! Ilumine isso daqui... – Pediu Lázaro, cauteloso. Temia pelo pior. A luz revelou o carmesim incrustrado no tecido. Lázaro soltou a peça assim que sua iluminação deixou-o na escuridão. Algo mais produzia luz naquela sala.

Jéssica caminhava mais adiante, encarando uma série de televisores. Muitos mostravam quartos e outros ambientes do complexo e diversas anotações estavam espalhadas ali pelo chão. Lázaro pôs-se a ler uma delas.

Alexandre Camargo. Acrofobia, medo de altura.

Lázaro tremeu. Em um coldre axilar, seu velho revólver clamava por justiça. Mostrou o papel para Jéssica.

– Meu deus... Eu sei onde eles estão... Olha! – Apontou Jéssica para um dos televisores, que mostrava um homem amordaçado sendo questionado pelo palhaço.


Capítulo XVII

Jéssica Qacker


Jéssica estava decidida em ter maiores explicações com seu anfitrião. Sua cabeça latejava, imaginando as cenas das mortes e tentando associar um padrão entre elas. Lembrava-se de anos antes, quando tudo acontecera. Por que se tornara o que é hoje? Uma mulher arrogante e suja, que fazia qualquer coisa para estar em primeiro lugar na notícia. Lembrou-se da noite com Lúcio Moraes e sentiu-se imunda. Podia ver seu noivo encarando-a com seu típico olhar de reprovação. O que fizera de errado? Ele estava morto e Lúcio, vivo. Jéssica apertou o botão do elevador, transtornada. Sua vida passava diante de seus olhos morosos. Gabriel havia morrido em uma noite como esta. Era madrugada quando ela ouviu o tiro e o meliante correndo. Gabriel ainda estava vivo quando a ambulância chegou... Lembrava-se de suas palavras, de seus gestos e caretas. Como era divertido... E então veio a mídia, e ela com todo seu poder, nada fez.

A porta do elevador abriu-se, revelando um homem trajando um sobretudo e portando um bigode ridículo. Lázaro sorriu vagarosamente ao observar a garota entristecida.

– Fantasmas não te deixam dormir também? – Brincou o ex-investigador.

Lúcifer

Para onde irá agora, meu caro Lúcifer?
Seu mundo encontrasse quebrado, já não respiras mais
Em sua tristeza, fecha seus olhos
Colhendo toda a destruição, através de nossas vidas...

Mas continuaremos aqui, mesmo quando seu coração se for
Nós choraremos pelos amores perdidos, mas jamais cairemos

O tempo jamais pode apagar a dor
Mas ele pode curar
E para tudo existe a vontade de continuar